É importante que exista uma gravidez ativa. Mas ser ativa não quer dizer que trabalhe até ao último dia da sua gravidez. Normalmente há um orgulho em dizer que se trabalhou até ao último dia de gravidez.
A sociedade em que vivemos ainda cria uma grande pressão para que isto aconteça, sobrepondo-se a todas as alterações fisiológicas e necessidades que implica uma gravidez e das consequências que a vivência da mesma tem no futuro daquela mulher, mãe e bebé. Por isso, nessa afirmação, não haverá nada de positivo. E Porquê?
- Primeiro porque a gravidez deve ser um momento em que a grávida deve estar a direcionar as suas energias para o seu bem-estar e bem-estar fetal.
- Segundo deveria estar a preparar a sua gravidez, o seu parto, a cuidar de si. É momento de parar e direcionar-se para si e para o seu bebé.
- Terceiro perceber que tudo aquilo que somos e fazemos na gravidez terá um grande impacto no parto, no bebé e no pós-parto.
A gravidez, o trabalho de parto e o parto estão sob a influência de um grande sistema, o Sistema Nervoso Autónomo (SNA). O SNA responsável por várias ações e funções vitais no nosso corpo, é um sistema de resposta automática e não controlada sendo também influenciado por fatores externos. Se por um lado temos o SNA simpático, de resposta e reação rápida ao perigo real ou não real (algo que nos assusta ou nos stressa) por outro lado o SNA Parassimpatico é de resposta lenta, de descanso, tranquilidade, mantendo as funções corporais em estado de harmonia. Estes trabalham em conjunto e quando um aumenta o outro desce na mesma proporção. Na sociedade atual e o fato de vivermos em constante stress, atulhados de trabalho, de tarefas que se sobrepõem, de uma luta constante em tentar conseguir arranjar um equilíbrio familiar, social e laboral, bombardeados com um excesso de informação e ecrãs que nos faz estar sempre ligados, associando também a uma alimentação menos saudável e menos equilibrada, faz com que exista sempre um desequilíbrio neurovegetativo (do SNA) com predomínio simpático, quando idealmente deveríamos estar no outro lado (parassimpático).
E então como é que isto se relaciona com a gravidez, trabalho de parto e parto?
É fundamental que a mulher grávida viva em ligeira prevalência (não total) parassimpatica. O excesso de atividade simpática cria stress, ou seja, desequilíbrio a vários níveis e funções tendo um grande impacto ao nível do corpo da mulher grávida. Afeta a tensão muscular no corpo da mulher ao longo da gravidez e parto tornando-o mais rígido e menos flexível, afeta o equilíbrio hormonal (a produção de oxitocina vs relaxina e outras hormonas importantes) afeta a circulação (pode colocar o corpo em constante inflamação e vasoconstrição, levar a um aumento da tensão arterial e gerar condições como pré eclâmpsia), afeta o desencadear e desenvolvimento do trabalho parto (por exemplo na eficácia das contrações uterinas, na dilatação do colo do útero) e afetar o parto (intensidade da dor, tempo de trabalho de parto). Consequentemente acabamos por ter partos medicamentosamente assistidos (administração de oxitocina artificial, que em termos fisiológicos é muito diferente da oxitocina produzida naturalmente) partos instrumentalizados (ventosas, fórceps) e cesarianas.
Todas estas alterações vão afetar também consecutivamente o feto. O feto beneficia de movimento para o seu bom desenvolvimento intra-uterino. Estudos demonstram que um toque intermitente suave em bebés prematuros ajuda a que o recém-nascido apresente frequências cardíacas mais favoráveis. É através do movimento que o nosso organismo matura e cresce. Uma mãe ativa, que realize movimentos que para ela sejam suaves e prazerosos, otimiza o movimento fetal e o seu bom desenvolvimento. Isso explica o porquê de as grávidas maioritariamente sentirem o movimento dos seus Bebés à noite quando estão deitadas ou quando realizam atividades mais tranquilas, isto é, quando se encontram num momento onde prevalece o parassimpático.
Por volta das semanas 28-32 o feto procura colocar-se em posição cefálica, isto é, de cabeça para baixo. Esse período corresponde a um pico de relaxina. Alguns estudos apontam para alguns fatores de risco para o feto não se conseguirem posicionar cefalicamente em gestantes de termo, são eles: idade materna avançada, nuliparidade, hipotireoidismo materno, diabetes pré-gestacional, placenta prévia, ruptura prematura de membranas, oligoidrâmnio, anomalia congênita e peso ao nascer abaixo do décimo percentil. Todos estes fatores de risco implicam diminuição de mobilidade ou por parte do bebé ou por parte da grávida. Uma gravidez saudável, ativa e livre onde prevaleça o parassimpático é, portanto, meio caminho para o feto se conseguir posicionar de forma mais favorável.
A partir da décima sexta semana de gestação é comum a gestante sentir os movimentos fetais. Dentro da barriga da sua mãe, o feto deve se mover e modificar o seu posicionamento. A mãe deve sentir que o seu bebé vai modificando a sua posição podendo estar um dia com as costas orientadas para a esquerda e no dia seguinte orientadas para a direita. Uma mãe sujeita a cargas excessivas e a excesso de trabalho, que viva maioritariamente em stress, com predomínio do sistema nervoso simpático, irá apresentar desequilíbrios hormonais, tensões musculares que dificultam a mobilidade do feto potenciando o aparecimento de um torcicolo congénito, deformações ósseas de vários tipos e/ou mesmo alterações da forma do crânio do bebé. Durante o trabalho de parto, o bebé poderá apresentar maior dificuldade em se encaixar, descer no canal de parto podendo mesmo levar ao sofrimento fetal e à necessidade de se recorrer a um parto instrumentado. A própria dilatação pode ficar comprometida e a cabeça do bebé ser continuamente empurrada contra um colo duro e rígido. Todas estas agressões têm consequências sendo uma delas a necessidade de recorrer a uma cesariana.
Importa ainda referir que todo o ambiente durante o trabalho de parto e parto tem um grande impacto no equilíbrio neurovegetativo. Todos os efeitos emocionais negativos do medo do parto, de um ambiente de stress e tensão, muito barulho e luzes vão perturbar o SNA e das suas funções para o momento (vão ativar o SNA simpático, o nosso sistema de alerta, exatamente o contrário daquilo que se pretende). Por isso, um ambiente tranquilo, calmo, acolhedor, familiar, que respeita os tempos e os movimentos das mulheres é facilitador para as necessidades fisiológicas do trabalho de parto.
É importante ainda perceber que o parto prepara-se ao longo de 9 meses e não nas últimas semanas de parto, já que a forma como vivemos a nossa gravidez vai ter um grande impacto na grávida, no bebé e no seu parto e pós-parto.
O que posso fazer?
Primeiro foque-se em si e no seu bebé. Tente fazer coisas que lhe dão bem-estar, prazer e conforto. A gravidez é uma maratona e não um sprint. Da mesma forma que se prepara para uma maratona, deverá fazê-lo também durante a sua gravidez e preparar o seu corpo para o parto. O equilíbrio do SNA, um corpo livre de tensões no corpo da mulher, níveis de atividade física adequado a esta fase da vida da mulher e com uma boa preparação para o trabalho de parto e parto (informação é poder) são fundamentais para o bebé e para a mãe (e recuperação pós-parto).
Autores:
Dra Raquel Jacinto – Fisioterapeuta especialista em saúde materno infantil e pelviperineologia
Dra Patricia Rocha – Fisioterapeuta e Osteopata
Bibliografia
Amaral DM, Cadilha RPBS, Rocha JAGM, Silva AIG, Parada F. Congenital muscular torticollis: where are we today? A retrospective analysis at a tertiary hospital. Porto Biomed J. 2019 Feb 2;4(3):e36. doi: 10.1097/j.pbj.0000000000000036. PMID: 31595263; PMCID: PMC6726283.
Toijonen AE, Heinonen ST, Gissler MVM, Macharey G. A comparison of risk factors for breech presentation in preterm and term labor: a nationwide, population-based case-control study. Arch Gynecol Obstet. 2020 Feb;301(2):393-403. doi: 10.1007/s00404-019-05385-5. Epub 2019 Nov 18. PMID: 31741046; PMCID: PMC7033046.
PAUL, J. A.; SALK, H.; FRINGS-DRESEN M, H. W. Effect of posture on hip joint moment during pregnancy, while performing a standing task. Clinical Biomechanics, Oxford, v. 11, n. 2, p. 111-115, 1996. http://dx.doi.org/10.1016/0268- 0033(95)00049-6.